Deitado sobre as nuvens

"Perché da qui il mondo scivola..."

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Correspondência

Essa semana falava com um amigo sobre as eleições pra presidente, sobre as polêmicas que lançam as candidaturas umas sobre as outras, sobre nossas preferências partidárias e tal...

Uma das características marcantes dessa campanha é a gritaria sobre dois assuntos polêmicos, das quais os candidatos tentaram (desta vez) inutilmente fugir: aborto e união gay. Sobre este último, compartilho aqui a íntegra da minha parte de uma das conversas que tivemos sobre o assunto:

"Esse argumento dos beatos fervorosos de que seus cultos serão
reprimidos pela aprovação dessa lei me faz pensar o seguinte: se
perguntarmos a qualquer um desses beatos se num culto o pastor
defender um discurso de que negros são inferiores e desprovidos de
alma (e sei lá mais o que), eles certamente concordarão de que não
seria correto, afinal já é QUASE consenso que essa ideia ficou lá no
século passado, enfim... todos afirmariam que jamais fariam tal
discurso, e creio que de fato não o fazem na prática. E duvido que não
o façam só porque existe uma lei para coibir atos ditos "racismo", mas
porque de fato tem a conviccção, a cultura já alicerçada de que não é
o correto a fazer. Do mesmo modo, certamente não defendem o roubo, ou
o estelionato, ou sei lá mais o que...

Talvez seja esse um dos "nós" desse PL... ele cria uma figura penal em
torno de algo que carece estar investido de um consenso cultural entre
as pessoas. Ainda está internalizado na imensa maioria das pessoas que
ser homossexual é errado, que esses não merecem ter direitos iguais e
por aí vai... então realmente imagino o pavor que essas pessoas tem ao
se deparar com uma nova lei que recrimine algo nelas que acham
absolutamente normal.

Leis como a 122 são sim necessárias, assim como já existem aquelas que
protegem negros, mulheres, índios... mas o mundo que nós queremos só
vai mesmo existir no dia em que aqueles que são contra ela forem
minoria, e a inversão desse quadro parece passar por essa atualização
no paradigma atualmente dominante sobre a sexualidade.

Em suma, leis são necessárias mas não resolvem todas as nossas
angústias. Essa lei será de grande valia, mas a homofobia só deixará
de existir no dia em que as pessoas acreditarem de coração que ela é
errada.

As vezes me entristece chegar dentro da minha prórpria casa e perceber
o quanto esse caminho do paradigma é longo e tortuoso. Quando visito
parte da minha família, que vive mais no interior do estado, o abismo
parece ainda maior. As grandes cidades, por pior que sejam, ainda são
"ilhas" de tolerância, isoladas e tortas.

Acho que gays tem mesmo que ter filhos, e nós, como pais, temos a
tarefa árdua da qual não podemos jamais abrir mão e quiçá sejamos os
mais capacitados a executá-la (pela dor que nos atinge a pele):
transmitir a esses meninos e meninas essa atualização de paradigma da
qual falo.

Quando olho em volta, vejo muito pouco carinho por essa questão da
parte dos heterossexuais que se tornam pais, mesmo aqueles pais tão
jovens quanto nós, que supostamente deveriam ter ideias mais
libertárias que a geração anteior. Infelizmente vejo jovens pais tão
conservadores quanto o foram seus pais também.

Não, não sou pessimista, de modo algum! Creio como possíveis essas
mudanças que queremos, apenas não me deixo iludir achando que o
caminho será fácil. E também não penso em abdicar desse caminho."

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